sábado, 8 de agosto de 2020

 Somos corpos reais com direito a existir da maneira que são, da maneira que foram moldados para vir ao mundo, Com barriga inchada, mancha de pele, peito caído, buceta escura. Mil formas de existir, desnudas do padrão estético hermeticamente planejado pra fuder nossas cabeças e prender nossas almas, pra fazer com que passemos a vida toda correndo atrás de algo inalcançável e nos odiando, é que ódio dá lucro e cabeças fudidas não produzem.O maior medo deles é esse: ver a gente produzindo, fazendo algo além do que buscar ser bonita, já somos só pela força que temos. Temos a beleza do gestar, do parir e do gemer, do ovular e enlouquecer em meio ao turbilhão de ser mulher. Somos micropedaços da Grande Mãe que, juntas, mudaremos o mundo.

 Solidão. Dela me esquivo através de pessoas, saídas despretensiosas, olhadas compulsivas em redes sociais. Mas ela está aqui no meu cangote, soprando no meu ouvido que não tem como fugir. Eu preciso encará-la, afinal, se ela existe deve ter algum motivo, talvez seja para ensinar que encarar a si mesmo quando não tem ninguém por perto é algo extremamente transformador, angustiante também. É uma sensação de querer sair correndo de dentro de mim, fazer algo que me traga conforto instantâneo, mas é nesse desconforto que está a mudança. Está sendo bem intensa essa auto-convivência, tenho que olhar para toda essa carência, todo esse medo de rejeição que, em nome de uma sensação de acolhimento, aceita passar por situações desnecessárias.

 Palavras, organizá-las é o desafio. Fazer ressoar linhas e ideias, alinhar traços e sonhos, esses não são poucos, almejo muitas coisas para a minha vida. No entanto, por sonhar demais faço de menos, tendendo a viver no mundo das ideias enquanto esqueço de colocar em prática. Tá aí o segredo para realizar meus objetivos: fazer, trazer pra matéria, porém tem uma coisa que me bloqueia, é o medo. O medo de arriscar, de fracassar, o medo de ser criticada, de me sentir sozinha. Enfim, tenho medos que eu nem sei que tenho ainda. O medo é normal, muito importante, inclusve, para a sobrevivência do Homo Sapiens, o problema é quando o medo te impede de algo. Tudo vem da maneira que se enxerga o desconhecido, como um desafio ou como um muro. Tô nesse processo de solidificação de mim mesma, firmando meus passos, aprendendo a me dar base. Agradeço a toda a proteção e acolhimento que o universo me dá, através das pessoas que me cercam, não tenho palavras para agradecer. Mas sei que tenho que caminhar com minhas próprias pernas. Sou eu e eu. Eu e a Deusa. Eu e Deus. A santísima trindade que me forma.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

De repente um nó na garganta
Aqui tem tanta coisa guardada
A vontade é de mudar o mundo 
Mas nem minha raiva tá controlada

Nem minhas contas estão pagas 
Minha sanidade tá cambaleando
Corda bamba entre a fé e a revolta 
Com um Deus que não tá ajudando

Deus tá quieto, só observando 
A humanidade toda aqui se matar
Uns dormem em berço de ouro
Enquanto outros não tem nem o jantar 

Mas que raiva que me dá 
Dessa gente que não dá pra chamar de gente 
Mais cruéis e perversos não há 
Predadores com carne preta entre os dentes

A vontade é logo de surtar 
Soltar os gritos presos no peito
Mas me diz, quem é que vai me escutar?
Se o sistema existe há tempos desse jeito?

Quantos prefeitos vamos ter que trocar 
Pra parar de jogar merda na Lagoa?
Quantas árvores vamos ter que derrubar?
Quanto bicho ainda vai morrer à toa?

Isso tudo não é por acaso
É um projeto muito bem arquitetado
Baseado na opressão e no descaso
Genocídio sob ordem do Estado

PM executa a missão dada
De exterminar e fazer o descarte
Restos da ditadura inacabada
Que o bozo tá apertando o restart 

Mas tudo isso faz parte 
É só ler os livros de história
Povo que não conhece seu passado
Tá fadado a reviver sua escória

E agora, a gente chora?
Quem é que vai ouvir o clamor?
De um povo que sonha com a hora
Em que não sentirá mais a dor.

Lá se vai mais um João
Vítima da necropolitica
Ele era só mais um cidadão
Que dos dados virou estatística 

Mas apesar de todo o pesar
De ser o lado que descarregam o pente
A covardia pertence ao lado de lá 
Do lado de cá Marielle presente 

O povo não se deixa abalar
Luta e reluta pela sobrevivência 
Resistir em primeiro lugar
Fazer valer seu direito a existência

Essa Terra é de índio e de preto
É dos bichos e das entidades
E apesar de todo o esforço 
Vão precisar se empenhar com vontade

Pra conseguir acabar com essa gente 
Vão ter que muito ainda suar
Em cada um foi plantada a semente 
E logo o povo vai se juntar 

É bom vocês ficarem com medo
Porque o povo cansou de apanhar
Nossa força já não é mais segredo
Seja bem vinda revolução popular!



Do pranto fez-se o canto,
Da voz saiu a essência,
Falo muito, mas calo tanto,
Palavras em abstinência.

Palavras perdidas dentro de mim
Por medo de serem faladas
Em um rompante explodem, enfim
Cansadas de conversa fiada.

Fiar, tecer o que se sente
O fio da vida a se emaranhar
Nas formas da teia da mente.

O presente é o que importa
Passado é janela emperrada
Futuro é a esperança que aporta
No cais de uma nova jornada.

Ciclos são a nossa única certeza
Fase que encerra pra outra começar
Em cada uma existe a singular beleza
Entre o recomeço e o desabrochar.

Fácil ninguém disse que seria
Mas o processo se faz necessário
Montanha-russa de tristeza e alegria
Dessa vida sou apenas o operário.

Ergo as paredes, parte por parte
Com o material que o destino me cede
Dos apegos, aos poucos, faço o descarte
E aqui dentro ouço a voz que me pede

 "Descobre menina, qual é o teu lugar,
Tens tanto a fazer nessa Terra
O caminho tá aberto pra vc passar
E encarar de frente essa guerra."

Guerra externa reflete a batalha interna,
Meus inimigos estão dentro de mim
Eles lutam pra saber quem governa
Mas sou eu quem governa, enfim.

Sou o self por trás do personagem
Mergulhado em um mundo dual
Em meio aos formatos da imagem
Da minha mandala sou o ponto central.